Enquanto o povo líbio luta, assistimos Big Brother

Sem menosprezo ao leque de notícias relevantes da semana passada, merece destaque não uma notícia em especial, mas sim, duas charges de Zero Hora.

As charges realmente conseguiram surpreender, especialmente pela época em que ocorrem, quando se espera pouca coisa além de paródias ou anedotas de eminências sociais e políticas no carnaval.

Coube ao chargista Iotti (sim, o criador do Radicci), conceber neste período duas charges de muita perspicácia. São charges que fogem do humor convencional destilado e, ao invés de fazer sorrir para esquecer as agruras, levam a uma profunda reflexão.

A primeira, de terça-feira (01/03/2011), nos faz refletir sobre o povo que somos, ou até, se podemos ter a honra de sermos reconhecidos como um povo.

Todas as noites, no noticiário, acompanhamos perplexos o levante de vários povos árabes, com destaque para a Líbia, contra anos de opressão da ditadura. Povos que deixam de lado a covardia e lutam simplesmente pelo direito de ter esperança. Muitos de nós, com  certeza, pensam: “-Puxa, como ainda existem povos atrasados. Ainda bem que moramos no Brasil e somos mais evoluídos”.

Pois a charge faz cair por terra esse pensamento e nos coloca em xeque ao ilustrar um dos revolucionários inquirindo uma reação do “Zé Povinho Brasileiro”. E com razão: acompanhamos pela mídia tantos atos de corrupção, desmandos e omissões, em todos os Poderes e instâncias, de porte e gabarito equivalentes aos desmandos da família Kadafi;  e permanecemos assistindo a tudo passivamente, sem qualquer reação.

Como gaúchos, nos orgulhamos de uma Guerra dos Farrapos que, se consideradas suas reais motivações, nem foi tão heróica assim. Falar então no “brado da independência” em 7 de setembro, chega a ser uma afronta em termos de heroísmo. Os argentinos por sua vez, vão à rua com seus panelaços ao menor deslize de seu governo.

Chegamos à conclusão então, que somos muito menos povo, do que esses líbios que lutam pela liberdade.

Iotti, Zero Hora, 01 de março de 2011

A segunda charge, divulgada na quinta-feira (03/03/2011) escancara o conceito de que nossos governantes são reflexo do povo.

A escolha do deputado “Tiririca” para a Comissão de Educação e Cultura, sob o pretexto de ser uma solicitação pessoal ao partido, mostra como os partidos políticos percebem a importância dos entes públicos atualmente. Qual seja:  o deputado se sobrepõe ao partido, o qual, por sua vez, se sobrepõe à sociedade.

Mas a charge elucida: não podemos culpar os partidos. A estrutura política atual é reflexo da alienação da população, que prefere a audiência a um programa “Big Brother”, do que acompanhar  o trabalho de seus representantes. A maioria parece não perceber de onde vem os recursos (dinheiro) para financiar os projetos que o governo administra.

Quanto ao Big Brother? Talvez eu esteja com uma visão errada sobre o programa ?!? Quem sabe não seja educativo? Lamentavelmente não consegui visualizar isto ainda; para mim, não passa de um desserviço à sociedade.

Prefiro não assistir, desde uma de suas primeiras edições, quando o âncora Pedro Bial, de dentro do Fantástico, fez uma referência, se me lembro bem, parecida com o seguinte: “- Vamos agora, dar uma espiadinha para ver o que estão fazendo os nossos heróis na casa”! Não esperava essa do Pedro Bial. Na verdade, não esperava nada perto disso, pelo imagem de pessoa esclarecida que haviam difundido a seu respeito.

Isto porque cabe a mim tentar explicar a meus filhos que não é normal um bando de pessoas semi-nuas, deitadas numa piscina, sem trabalhar, comendo e bebendo, flertando, dormindo e fazendo festa, receberem 1 milhão de reais ou mais, por isto. Tampouco, serem chamados de heróis por terem se comportado assim.

Iotti, Zero Hora, 03 de março de 2011

Mas, é o reflexo de uma sociedade. Uma sociedade que garante uma estimativa de bilheteria enorme para “Bruna Surfistinha”, a história de uma patricinha que abusa de tudo para virar celebridade mais tarde. Novamente, uma mensagem subliminar que tenho o ônus de desfazer:  de que a sociedade aceita tudo e de que não é preciso enfrentar as conseqüência de nossos atos.

Talvez a resposta esteja na relação entre as duas charges do Iotti: quanto mais nos permitimos permanecer alienados, menos povo realmente somos.

Parabéns Carlos Henrique Iotti. Que como leitores tenhamos a mesma perspicácia para nos indignar, além de capacidade de transformar em ações a nossa indignação.

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