No intervalo das últimas duas décadas, ocorreu uma mudança sensível, de ordem cultural, no setor primário brasileiro. O agronegócio passou a ser visto não apenas de forma mais respeitosa, mas também, passou a ser desejado.
O êxodo rural continua sendo um problema, mas entre os seus diversos fatores causais, o desprestígio da área antes vista como arcaica e marginal, contribuía de forma especial. Pairava uma aura de menosprezo em relação a quem optava em permanecer na atividade.
Naquela época, nem os sonhadores mais otimistas poderiam prever que, em menos de 20 anos, esse aspecto cultural mudasse tão drasticamente. O agronegócio virou moda e sinônimo de status, expresso no enredo de músicas, novelas e todo tipo de mídia.
Porém, replicando a ênfase apregoada em alguns estilos musicais, como que enebriada pelas novidades tecnológicas que o agronegócio empresarial hoje apresenta, a sociedade viu surgir uma ideologia do agro-ostentação. Atualmente consta no imaginário de boa parte da população que, ser do agronegócio, como suscitam algumas músicas, significa apenas: ter carteira cheia, máquinas caríssimas que praticamente trabalham sozinhas e viver pelas próprias regras sem depender de ninguém.
Uma visão totalmente irreal, construída com parcela de culpa de cada um de nós que transita pelo agronegócio. Esse conceito de um Agro Pop exclusivo, até com certo ar de arrogância, não representa a realidade; ao menos não da totalidade da região Sul do Brasil e principalmente, do Rio Grande do Sul.
O cenário descrito pode ser a regra em outras regiões mais ao Centro ou Norte do país e até mesmo pode haver exceções na região Sul. Mas, considerando o maior contingente de pessoas que faz o agro daqui e dele vive, a realidade é outra.
Somente nos últimos dez anos, tivemos cerca de cinco estiagens extremas (além da que está iniciando agora), além de vendavais, granizos e dois anos de inundações históricas. Isso, por si só já seria incoerente com a visão artificialmente estereotipada do agro como mina de dinheiro, alheia aos problemas sociais e econômicos do Brasil. Se juntarmos então, a defasagem de preços e oscilações (para cima) dos insumos, perceberemos que, mais que isso, a situação está desesperadora para muitos dos produtores da região.
Nesse ponto reside o principal problema da ostentação criada nos últimos anos: para a opinião pública, os problemas reais do agro não são concebíveis, ao menos na real intensidade; pois são conceitos impossíveis de conciliar com a visão criada no decorrer do tempo, de um agro pujante, autossuficiente e alheio a adversidades.
Um efeito dessa “dissonância cognitiva” está presente por exemplo nas consequências do foco exclusivo na produção extensiva de grãos para exportação, característica dos últimos anos, afetando outros segmentos do agro. Na onda do agro-ostentação, enquanto se comemorava o lastro salvador da exportação de grãos na balança comercial do país; em várias regiões de Santa Catarina, parte do Paraná e principalmente no Rio Grande do Sul, caracterizadas pela produção de proteína animal, suinocultores independentes chegavam ao fundo do poço e diversas cooperativas e integradoras foram levadas ao sucateamento ou insolvência pelo custo desses mesmos grãos.
Enquanto o fetiche glamourizado do agro toca nas ondas do rádio, a realidade se mostra cruel. Como se não bastasse o abandono da atividade em alguns segmentos, como por exemplo, a redução de mais de 84 mil estabelecimentos produtores de leite para pouco mais de 33 mil no Rio Brande do Sul, entre 2015 e 2023, a enchente de 2024 afetou diretamente mais de 206 mil propriedades, com perdas na produção e na infraestrutura.
É uma situação gravíssima, mas parece despercebida em alguns setores da Sociedade. Mais preocupante é estarmos no limite perigoso em que as próprias pessoas que fazem parte do agro acreditam na abstração que se criou sobre ele, e não enxergam a real situação. Na área da administração, é de conhecimento uniforme que, para se resolver problemas, obter melhorias e evoluir, o primeiro passo é reconhecer as próprias carências. A soberba sempre tem atuado como uma venda que cega qualquer organização (empreendimentos rurais), levando ao precipício.
Certamente temos exemplos fantásticos de eficácia e eficiência na produção agrícola, pecuária e silvícola. Mas nossa força se restringe à tecnologias de aplicação ou relacionadas à montagem final de componentes, muitas destes envolvendo tecnologia embarcada ou de propriedade externa.
Importante que se repita: há exceções. Mas, como regra geral, entre as principais tecnologias utilizadas no campo, criando relações de dependência e incidindo com maior valor agregado na cadeia; a base tecnológica não está em nossas mãos.
Ainda estamos na fase de discussões básicas, desde aquelas relacionadas à política agrícola quanto à acesso e difusão de tecnologia. Sabemos por exemplo, da necessidade de investir em irrigação, alardeada de forma recorrente; mas proporcionalmente à necessidade, ainda são ínfimas as ações, e que na maioria das vezes, são restritas a escavação de poços e açudes. Ou seja, as estratégias são parciais e desconectadas.
Mencionar então que já deveríamos ter um mapeamento de toda a cadeia do agro, com levantamento claro dos elementos de maior valor agregado – hoje eventualmente subtraindo valor da cadeia – e que esse mapeamento deveria estar alinhado com um Plano Estratégico de Desenvolvimento para o agro, acaba sendo também, uma abstração imaginária.
Precisamos superar as discussões triviais, a exemplo das deficiências logísticas que deveriam ter soluções orgânicas, bem como superar o foco limitado à geração de divisas cambiais. É preciso avançar para discussão e estruturação do modelo de agronegócio, estimulando o desenvolvimento de tecnologia própria e agregando valor dentro de uma concepção sustentável.
Não se pretende aqui estabelecer uma visão pessimista, de que tudo esteja errado. Se há um lado bom, na onda do agro-ostentação referido no início, ele está no orgulho latente de quem atua no setor. Esse sentimento é uma vitória sem precedentes, considerando as décadas de marginalização da atividade do agro.
Mas, esse sentimento não pode nos cegar. A boa administração exige profissionalismo, que inicia pelo diagnóstico real: precisamos conhecer a aceitar quem somos e focar no que realmente precisamos, para então, conscientes de nossa essência, poder alavancar o potencial verdadeiro que o agro é capaz de oferecer.

Original deste conteúdo publicado em: SCHNEIDER, Alexandre Marcelo. Sobre o momento do agronegócio: (des)ostentar para focar na essência. In: ARTIGOS DA CÂMARA DE AGRONEGÓCIO – CEAGRO / CRA-RS. 27 jan. 2025. Disponível em: https://api.crars.org.br/media/2025-cra_SITE-crars-1738070606523.pdf.